No 1º colegial, eram três Marinas na sala.
Na chamada, um Deus nos acuda.
- Marina...
- Qual?
- Aranha.
- Eu!
Num sistema onde o sobrenome vinha antes do nome e os alunos eram classificados por números, sempre fui uma das primeiras.
Andrade ou Almeida vinham antes de mim.
No máximo, em dez anos de colégio, fui número 3.
Eis que, para minimizar o problema das Marinas, uma genial professoora teve uma ideia.
- Aranha...Ma...Maranha!
Ela, que já tinha me dado aula na sexta série, criou ali um apelido que levo como herança desde então.
Na faculdade, onde geralmente criam-se apelidos e se começa uma vida nova, a Maranha ficou. E vai ficando...
Fora também.
A mesma professora me pegou colando em uma "provinha" de duas questões de múltipla escolha. Enquanto passava recolhendo, eu, desesperada, implorei pelas duas respostas.
Recebi.
Achei que não estavam certas. Mas o que entendo de biologia? Era apenas mais uma prova da minha ignorância.
Marquei.
Entreguei.
Zerei.
As provas eram diferentes. E eu contei pra professora tudo isso. Ela riu.
Numa outra prova, trimestral, marquei uma alternativa e percebi que tinha errado. Risquei, marquei outra e escrevi: "essa é a certa!".
Ela considerou. E escreveu: "Ok, Maranha!".
Depois dali, ela me deu aula até o terceiro colegial. Naquele ano, começou a ter dores na coluna e reclamar enquanto andava.
- O que o médico falou, professora?
- Ainda não tem certeza. Preciso fazer alguns exames.
- Pode ser hérnia de disco - tentei diagnosticar -, meu pai teve. Operou, ficou bom! Se for, fica tranquila!
Até hoje os médicos não entraram num acordo sobre o que ela tem.
Há uns seis meses fui no colégio revê-la.
Ela andava na cadeira de rodas, só mexia os braços e a cabeça e tinha um professor auxiliar que escrevia na lousa.
- Vou fazer um tratamento em São Paulo. Tavam me dando a dose errada de remédio. Agora melhorou, mudou a medicação!
O carro dela, adaptado, parava ao lado da sala, e ela ia embora controlando apenas com as mãos.
Hoje ela não dá mais aula. Fica em casa. Só recebo notícias de terceiros, porque alguém me diz que alguém a visitou.
Não sei porque pensei nela ontem, antes de dormir. É fácil ver as coisas mudando na vida dos outros. Mas quando é alguém de perto, dá pra perceber o quanto tudo é frágil. Tudo.
Não sei se por ser filha de professora sempre tive admiração pela maioria dos meus.
Na verdade, enquanto estudava, ODIAVA quando minha mãe parava no estacionamento de funcionários e descíamos juntos.
ODIAVA porque era a morte, pra mim, encontrar algum professor durante o caminho e ter que ir conversando com ele até a sala. Sentia um misto de vergonha com desconforto e não sei mais o quê.
Mas hoje, um pouco mais sã do que com 15 anos, fico feliz em encontrar pessoas que me dêem exemplos profissionais e de vida.
Minha professora de biologia foi uma dessas pessoas. Quando apareceu, eu não sabia bem lidar com "mestres". Mas ela estava presente justamente enquanto eu aprendia.
E eu nem gostava da matéria. Biologia. Nunca entendi direito.
Apesar disso, dava pra perceber que ela é uma das melhores pessoas que eu poderia ter conhecido. Ainda que nosso relacionamento se restringisse às salas de aula.
Obrigada, Sílvia.
Espero que você esteja melhor.
4 comentários:
Sem querer desmerecer a importância do texto, muito menos do seu afeto com sua professora, mas ao ler os parágrafos acima, só pude pensar numa coisa: como eu quero ler o Treze.
Que bom ler isso por aqui, assim, dessa forma, nessa época.
saudades, Punk.
Concordo com o moço aí em cima!
Quero mto ler seu primeiro filho.
beijos
Que belo esse texto, amiga. Me deu vontade de chorar, sabe?
Saudades da Sílvia também e, assim como você, espero que esteja melhor. Aliás, precisamos visitar ela =)
Amora!
Eu sei bem o que é ter professores especiais, minha professora de biologia também é minha amiga até hoje.
Como eles foram importantes em nossas vidas neh? E que bom que ainda percebemos que eles são.
Saudade de vc
mil beijos!
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